Butão, o país da felicidade! Por Márcia Pavarini
Marcia Pavarini – texto e fotos
Há um lugar no planeta que mesmo o mais experiente viajante considera um privilégio visitar: o Butão, onde a felicidade é mais do que um sonho, constitui a filosofia do país. Encravado entre as altas montanhas do leste do Himalaia, fazendo fronteira com a índia e a China, na região do Tibete, este pequeno reino desafia a globalização para preservar tradições e permanecer um mundo quase escondido. O nome dado pelo povo ao Butão é Druk YulLand, a Terra do Dragão Trovejante, por causa das violentas tempestades vindas do Himalaia durante o inverno.
Após séculos de isolamento, somente em 1974, depois da abertura do país aos visitantes, é que o Ocidente pôde desfrutar da herança espiritual, cultural e natural do Butão. Porém, para entrar nesse mundo quase privado é preciso obedecer a algumas regras. Ao adotar a política do turismo responsável, o governo local determinou que as visitas ao Butão devem ser arranjadas diretamente com as operadoras de turismo locais, credenciadas por ele, ou por meio de representantes em outros países. Ou seja, ninguém simplesmente pega um avião, desce por lá e viaja por conta. Isso não existe.
Apenas cidadãos da India, com quem o Butão mantém estreitos laços comerciais, culturais e de defesa, é que podem entrar no país sem a intermediação de agências de turismo.
Para evitar não só o turismo em massa como o impacto sociocultural, o reino decidiu restringir o número de turistas estabelecendo uma taxa diária, aproximadamente US$ 250 por dia. Nesse valor estão incluídos hotel de categoria turística, pensão completa e tours de carro com motorista por várias regiões, acompanhados por guias qualificados que falam inglês. E tudo deve ser pago antecipadamente. Acredite: a viagem vale cada tostão gasto e o país devolve o troco, que é uma feliz recordação para o resto da vida.
CONTROLE DE ENTRADA NO PAÍS
Com esse controle, pouco mais de 28 mil pessoas visitam o Butão a cada ano. O visto deve ser previamente requisitado ao governo pela operadora (butanesa ou estrangeira), que o envia em formato PDF por e-mail. O documento deve ser impresso e apresentado na chegada ao país.
Paro, uma das principais cidades e a única com aeroporto, é a porta de entrada do Butão e o primeiro contato do visitante com o país. Assim que o avião sobrevoa a região, já se avista o panorama do Vale de Paro acolchoado pela exuberante floresta, que cobre 72% do território butanês.
A companhia aérea nacional Druk Air é a única que opera vôos diários para lá, com jatos que conectam o aeroporto de Paro a cinco destinos: Nova Délhi e Calcutá, na India; Katmandu, no Nepal; Daca, em Bangladesh; e Bangcoc, na Tailândia.
Há muita coisa para ser vista no Butão, mas não se preocupe, os guias o levarão à exaustão para visitar tudo, ou quase tudo, o que o país tem a oferecer. O mínimo para uma viagem bacana são dez dia (o máximo é quanto o bolso permitir). Manhãs e tardes são tomadas por visitas aos templos, mosteiros, museus e fortes. Por isso, o tênis é o calçado mais indicado. Durante o verão, o sol é forte. Óculos e protetor solar são imprescindíveis, principalmente para assistir aos festivais. À noite é a vez da gastronomia. Embora a informalidade seja predominante durante todo o ano, a dica é vestir-se com certo pudor. Para a mulheres, melhor não usar roupas curtas ou decotadas nos locais de devoção.
ARQUITETURA TÍPICA
Paro, assim como todo o país, é marcada pela tradicional arquitetura, que se revela uma das maiores relíquias do reino. As moradias, a maioria sobrados, são de madeira ou taipa, com balcões ou arcadas ricamente entalhados e pintados a mão em cores vibrantes. O mais interessante é que toda estrutura de madeira, tanto das casas como dos templos, é feita por meio de encaixe das vigas, sem o uso de pregos ou barras de ferro. As telhas são amarradas com fios de bambu.
Algumas pinturas de templos e casas são verdadeiras obras de arte, com dragões, flores, rodas da sorte e círculos astrológicos – no Butão, nenhuma decisão é tomada antes de se consultar os monges astrólogos. O dragão é o símbolo nacional, por isso um dragão branco aparece na bandeira laranja e amarela.
SÍMBOLO DE FERTILIDADE TRAZ SORTE
Entre as pinturas tradicionais, uma chama mais a atenção do visitante: é a de um pênis grande e ereto, visto na fachada de casas, estabelecimentos comerciais e até de templos. Ao dar de cara com esse bizarro costume, não tire conclusões precipitadas. O pênis por lá simboliza o deus da fertilidade e constitui uma espécie de amuleto que traz sorte e prosperidade para a família.
A exuberância da arquitetura é exibida no dzong (forte), lhakbang (templo), goempa (mosteiro) e ainda no chorten ou stupa (espécie de santuário, com relíquias e imagens de Buda que, durante a visita, deve ser circundado no sentido horário, em sinal de respeito).
TAKSANG – O TEMPLO MAIS SAGRADO DO BUTÃO
É nas cercanias de Paro que fica o mais sagrado, espetacular e vertiginoso templo do Butão, o Taksang, conhecido como Tiger’s Nest.Construído na encosta de um arrepiante penhasco, a 900 metros de altura, é uma espécie de meca do budismo para o butanês, razão pela qual todo cidadão deve visitá-lo pelo menos uma vez na vida.
Diz a lenda que o venerado guru Rimpoche, considerado o segundo Buda, chegou até lá no século 7a, montado no lombo de uma tigresa, para entregar-se à meditação numa caverna. Daí o nome de Ninho do Tigre. O primeiro templo foi edificado em 1692 sobre a mesma caverna, criando-se assim o local mais sagrado do Butão.
O acesso a ele é por uma trilha íngreme de terra, que vai serpenteando a montanha. A certa altura da caminhada, atinge-se o topo da garganta que separa o desfiladeiro, de onde se avista, por inteiro, o majestoso mosteiro grudado na face do penhasco parecendo desafiar a lei da gravidade. A visão é quase irreal. É hora de largar a mochila, encarar a paisagem e tatuar o Taksang na memória porque você nunca mais verá nada igual.
O passeio todo leva cerca de seis horas, contando a caminhada, a visita ao mosteiro e o almoço (na volta) numa cafeteria que fica no meio do caminho. Tudo, claro, em companhia do guia e do motorista.
A apenas 65 quilômetros de Paro está Timphu, atual capital do Butão, sede do governo e da liderança budista. O rei e a cúpula dos monges dividem espaço no suntuoso forte-palácio Tashicho, um estonteante exemplo da arquitetura butanesa. Situado na bifurcação de dois rios, representa a alma da monarquia e da religião budista.
FESTIVAL ANUAL
É no fenomenal pátio do palácio, de aproximadamente 10 mil m2, que ocorrem as performances dos principais festivais do país, expressões da antiga cultura budista. Inspirados na história e tradição, esses eventos homenageiam o guru Rimpoche, que introduziu o budismo no Butão.
O Tsechu (festival de máscaras) é marcado de acordo com o calendário butanês e termina com quatro dias de apresentações, nas quais monges e dançarinos da comunidade interpretam danças e rituais com vestimentas e máscaras folclóricas, embalados pelo som dos tambores.
É o acontecimento máximo do país. O povo considera uma bênção poder comparecer às danças e acredita serem essenciais para alcançar a iluminação. Na ocasião, homens e mulheres vestem as melhores e mais coloridas roupas e usam as mais resplandecentes bijuterías. Levam lanches em tradicionais cestas de bambu para garantir o lugar durante todo o dia, na arquibancada ao redor do pátio, montada especialmente para o evento. O maior espetáculo fica por conta da mescla de uma profusão de cores entre a multidão que se apinha, sem qualquer tumulto, no imenso átrio.
ARTE E MODA NO BUTÃO
Basta uma caminhada pela tradicional Avenida Norzin Lam, no centro de Timphu, para descobrir a beleza do artesanato de prata, cobre e bronze, a tapeçaria, brocados e tecidos. Aliás, o tecido e modelo das vestimentas têm tradição milenar. Os homens usam o gho, espécie de túnica até o joelho, de mangas largas, presa à cintura por uma faixa. As mulheres usam a kira, esbanjando charme e feminilidade.
A Kira, quase sempre de cor vibrante, é uma peça longa, sustentada por presilhas na altura dos seios, que envolve a blusa de seda com mangas até o punho.
Ao visitar o templo Changanckhang, ainda em Timphu, peça a qualquer monge os dados da sorte para jogar. Depois, compre um rolo de bandeirinhas de orações (custa US$ 1). Vá até uma colina, faça um pedido e pendure as bandeirinhas. A magia da experiência tem tudo para ficar para sempre na memória.
No Butão, cada lugar, por menor que seja, é um ponto de interesse. São mais de 2 mil templos, fortes e mosteiros budistas espalhados pelo reino. Marcado pela imaculada grandiosidade natural, a paisagem pode mudar de uma densa floresta subtropical para os grandes glaciares do norte – ou para a fértil zona temperada, como o Vale de PUNAKHA.
Punakha, cidade que era a antiga capital do Butão, a duas horas e meia de carro de Timphu.
Um dos passeios mais vibrantes é a travessia das montanhas pelo Passo Dochula, que separa as duas cidades a uma altitude de 3.140 metros. Dali, a visão da neve eterna que ornamenta os picos da Cordilheira do Himalaia no horizonte é estarrecedora. Bandeirinhas coloridas, espalhadas por todo o passo, esvoaçam com o forte vento, despejando no céu os desejos dos fiéis em forma de oração.
TREKKING
Para quem curte trekking, os roteiros no Butão são uma experiência fantástica. A variedade de trilhas vai desde simples caminhadas de três dias entre Timphu e Paro até o lendário Snowman´s Trek, de 25 dias, que leva quem tem excelente preparo físico às montanhas mais espetaculares do país. É considerado um dos mais difíceis do mundo, passando por 12 desfiladeiros acima de 4.500 metros de altitude.
Para quem não quer andar tanto, um passeio pelo parque nacional em Timphu revela que, entre outras coisas inusitadas, existe um animal chamado Takin, bicho estranho que parece uma mistura de boi almiscarado com carneiro, mas com um chifre fino, em forma de ferradura, cuja origem está associada à mitologia religiosa do país.
FÉ E DEVOÇÃO NO BUDISMO MAHAYANA
As orações também são impressas em bandeirinhas coloridas e espalhadas por todos os cantos. Essas bandeiras representam uma pontes entre o mundo terreno e o paraíso, e fazem parte da cultura do Butão. Segundo a crença, os mantras, impressos nas bandeiras, são liberados pelo vento, que os levam até o céu, onde o pedido será atendido.
Elas tremulam por todos os lugares, em torno dos mosteiros, nos templos, palácios, nos memoriais, nas fortalezas, nas colinas, ao longo das estradas, nas pontes e, invariavelmente, no topo das vigorosas montanhas que abraçam o país. Vermelhas, azuis, verdes, amarelas e brancas, elas salpicam a paisagem com as cores do arco-iris e parecem lembrar constantemente os deuses do comprometimento de tutela que eles devem ter com a Terra.
Profundamente religiosos, os butaneses são adeptos do budismo Mahayana que prega a paz, a compaixão e a não violência. Uma das coisas mais marcantes é a expressão de devoção do povo ao girar os coloridos cilindros de oração, que ficam na entrada de todos os templos.
VAI UM PRATO DE PIMENTA?
Depois de um exaustivo dia de visitas a templos, fortalezas, mosteiros e museus, nada como um bom prato de pimenta. Pimenta? Isso mesmo. Vermelha, verde, seca ou fresca, é o que mais se destaca em qualquer prato butanês. Quem gosta da “ardida” vai se deliciar com esse condimento, usado aos montes em todas as receitas da culinária local. No entanto, se você é daqueles que não podem nem com o cheiro, possivelmente vai emagrecer alguns quilos durante a visita ao país, já que não há outras opções.
Vale experimentar o aema datsi (pimenta e queijo), o kewa datsi (pimenta e batata) ou ainda o sbamu datsi (pimenta e cogumelo). Provando isso, você terá conhecido os tradicionais pratos do Butão, que são saborosos, mas ardidos… Por lá, todo mundo tem uma hortinha de pimenta em casa. Andando pelas ruas, é comum ver maços do condimento nas sacadas ou esparramados sobre os telhados para secar.
Além da pimenta, outra paixão dos butaneses é o arco e flecha, o esporte nacional. Assim como no Brasil há campinhos de futebol, lá existem campinhos de arco e flecha. As competições são marcadas pelo entusiasmo dos participantes, que gritam, dançam e fazem grande algazarra quando o parceiro de equipe acerta o alvo de 15 centímetros de diâmetro a a uma absurda distância de 145 metros.
O pequeno reino, com aproximadamente 700 mil habitantes de maioria budista, coroou o primeiro rei em 1907, dando início ao sistema monárquico. Jigme Khesar Namgyal Wangchuck, de 28 anos, é o atual rei e o quinto a ter assumido o trono desde aquela época. Ele recebeu a coroa das mãos do pai, Jigme Singye, responsável pela democratização desse pequeno país na região do Himalaia.
O sistema de união matrimonial adotado por lei é a poligamia, para homens e mulheres. Também é comum ver butaneses casados com pessoas de uma mesma família – o antigo rei Jigme Singye, por exemplo, é casado com quatro irmãs.
ÍNDICE DE FELICIDADE: EM VEZ DO PIB O QUE VALE É O FIB
(Felicidade Interna Bruta)
A primeira vista não dá para entender a contradição: como um dos países mais pobres (de acordo com a ONU) pode figurar entre os dez mais felizes do mundo (segundo pesquisa realizada pela Universidade Britânica de Leicester) Ao visitar o Butão, descobre-se a façanha.
O segredo é que a felicidade é levada tão a sério que o país é o único no mundo a ter medida para esse sentimento. Ou seja, foi adotada a política do Gross National Happines que significa “Felicidade Interna Bruta” e mede a qualidade de vida da população, e não os valores materiais. Assim, em vez do PIB, o que vale é o FIB.
Basta olhar a expressão serena e o sorriso cativante dos butaneses para descobrir a felicidade estampada em cada rosto. O povo é amistoso, gentil e hospitaleiro. Parece que nada no mundo é capaz de abalar a sua tranqüilidade, nem mesmo o estresse dos ocidentais. Hoje, a pobreza convive com a modernidade, com a televisão, o computador, hotéis de luxo e os celulares. Enquanto a população se concentra na busca da felicidade, por meio dos ensinamentos do budismo, o Estado se esforça para prover as condições básicas necessárias para o bom viver. Saúde e educação gratuitas são garantias de todo cidadão.
Não há mendigos e as taxas de analfabetismo, fome e violência são praticamente zero. O fumo e as bebidas alcoólica têm venda proibida por lei. Existem campos de plantação de maconha, que é usada somente como alimento para porcos, A única bebida consumida com o aval do governo é o ara, aguardente artesanal típica, baseada na fermentação do arroz. É servida nos restaurantes, principalmente na época dos festivais anuais.
País de beleza intocada, onde a felicidade supera os obstáculos materiais e cujos pilares religiosos são a paz, a compaixão e a não violência, o Butão deve servir de exemplo ao Ocidente.
Depois de algum tempo em solo butanês, observando a serenidade e a devoção do povo, convivendo com a herança cultural e a filosofia de vida local, o visitante traz na bagagem a leve impressão de que, apesar das adversidades, a felicidade e a paz de espírito são bens tangíveis.
Fonte: Márcia Pavarini